Santuário

Romance da Santa Cruz

1-    Quase perdido na amplidão do mundo,
Mundo perdido em paz e solidão,
A torre esguia apontando os céus
Da terra o anseio de buscar a Deus,
É o Santuário a límpida visão.

2-    Miragem santa nos sertões plantada,
Mancha de luz na seca que estremece
Os corações de gente, tão sofrida,
O lado bom e sublime de sua vida
Viva esperança de quem nunca esquece.

3-    Ali surgiu no século passado,
Sua história é só lenda e coração.
Ninguém o fez, ninguém mesmo o criou:
Foi artifício de Deus, do Criador,
Aceitando da fé ideal sublimação.

4-    A lenda do Beato e do Vaqueiro,
Plantando a Cruz no alto da colina,
E as águas cristalinas da nascente,
Tudo se fez concreto e tão presente,
Na cura milagrosa da menina.

5-    E uma epopeia de esperança derramou-se
Na vastidão de todos os sertões,
Como na velha Palestina os peregrinos,
Caminhando por todos os caminhos,
A dor nos pés e a fé nos corações.

6-    Vão os Romeiros, na fé, na confiança,
Buscando ver e tão somente vendo, 
Uma Cruz de madeira, antiga, um relicário,
Mas como a Cruz do alto da Calvário.
As dores faz cessar, os males esquecendo.

7-    Vão caminhando, sempre os pés no chão,
E de joelhos para chegar à Cruz
Com ela conversando, sorrindo ou chorando,
Seus males e esperanças vão contando,
Como falando ao seu Senhor, Jesus.

8-    Vêm trazendo presentes, ofertas pequeninas,
De seus próprios pertences arrancadas,
E velas, muitas velas e dinheiro,
E os “milagres” de rústico madeiro,
Histórias mudas de graças alcançadas.

9-    E a velhinha cega, trêmula, alquebrada,
Vem devagar, caminhando para a Cruz.
As mãos tocando a Imagem, vai passando
Depois nos olhos, nas faces, vai rezando
Pedindo a Deus um pouco de sua luz.

10-    E volta para casa a mesma cega,
Sem ver, sem luz, a mesma pobre andante,
Mas, meu Deus, como é que pode? Vai sorrindo,
Cantarolando da “divina” o hino,
O coração feliz, a face radiante.

11-    Os romeiros vão se espalhando
Por toda a parte, cobrindo aquela serra,
Abrigos cheios, as árvores sem folhas...
E o peregrino sem nenhuma escolha
Vai deitando esteiras de palha pela terra.

12-    Basta um pouco de palha e poucos panos 
Para cobrir o seu ranchinho e as redes,
E o fogo aceso, e os risos e as canções,
E o borborinho das grandes multidões,
Como imenso acampamento sem paredes.

13-    E a toda hora chegando mais romeiros
Cantando, dando vivas, soltando foguetes,
E as promessas, e os “milagres” no Cruzeiro,
E muita gente rodeando a Igreja o dia inteiro,
Passando as mãos por todas as paredes.

14-    Como, na seca, as abelhas num “chupeiro”
No Olho d’Água os romeiros se aglomeram
É preciso banhar-se, e também dela beber,
E num frasquinho, um pouco recolher,
Remédio pros irmãos que não vieram.

15-    Chega o momento da grande Procissão,
A noite santa que o festejo encerra.
E vai a “Santa” da rua ao Santuário
A multidão de velas acendidas e o rosário,
Rio de luz que vai subindo a serra.

16-    De cada um é tamanha a emoção
Que ninguém sabe mais o que fazer:
Se canta ou reza ou se, feliz, sorri,
Ou se chorando vai se despedir,
Se vai voltar ainda sem saber...

17-    E já no outro dia os romeiros retardados,
Vão topando no caminho outros irmãos
Buscando o Santuário. Vão cantando,
Pedindo mais ajuda e graças implorando
A “santa” dos Milagres, no meio do sertão.

18-    E já duzentos anos se passaram,
Nesta ida e vinda do povo cristão,
Como se fosse a grande caminhada
Pelos caminhos da terra sagrada,
Rumo ao Eterno, a santa Promissão.

19-    Mas o caminho do Povo é de Paixão,
Esquecido dos Homens e da Lei,
Do dia de amanhã na incerteza.
É um povo tão sofrido, sem firmeza:
Ele tem Profetas, mas não tem um Rei.

20-    E Santa Cruz dos Milagres é o rancho,
E a água fresca no caminho: e o povo vai
Renovando suas forças combalidas
Pra novamente prosseguir nas lidas,
Rumo à certeza da Casa do Pai.  




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